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Análise da Medida Provisória nº 1.202, de 28 de dezembro de 2023

Inicialmente é importante observar que a MP 1.202/23 foi editada pelo Presidente da República, na sexta-feira (dia 29/12), justamente após a promulgação da Lei nº 14.784, publicada na quinta-feira (28/12). Vale destacar que a Lei 14.784/23 prorrogou para até o final de 2027 a desoneração da folha salarial para 17 setores da economia, bem como estabeleceu redução de alíquota da contribuição previdenciária para municípios, após a promulgação pelo Congresso Nacional que derrubou o veto do Presidente da República.

É fácil perceber que a MP 1.202/23, proposta pelo Ministro da Fazenda, visa limitar a desoneração da folha e aumentar a arrecadação federal, que está impactada pela prorrogação do benefício, instituído em 2012 e prorrogado sucessivamente desde então.  Tudo indica que as medidas propostas na MP 1.202/23 fazem parte da estratégia para atingir o déficit zero em 2024 nas contas públicas do governo federal.

A MP 1.202/23 tratou de outros temas. Para facilitar a compreensão, segue lista de temas tratados na MP:

  1. Revogação de Benefício Fiscal – Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE: revoga o art. 4º da Lei nº 14.148, de 3 de maio de 2021, que reduz a 0% (zero por cento) as alíquotas do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins, incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos.
  2. Revogação da Desoneração parcial da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento: Revogada a CPRB, as empresas abarcadas pela opção devem voltar a contribuir sobre a folha de pagamento à alíquota de 20% (vinte por cento) de que tratam os incisos I e III do caput do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, a partir de 1º de abril de 2024, considerada a anterioridade nonagesimal.
  3. Revogação da Alíquota Reduzida da Contribuição Previdenciária Aplicável a Determinados Municípios: revoga o § 17 do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, incluído pelo art. 4º da Lei nº 14.784, de 27 de dezembro de 2023, que institui redução de alíquota da contribuição previdenciária patronal imputada a determinados municípios. A revogação terá efeitos a partir de 1º de abril de 2024, considerada a anterioridade nonagesimal.
  4. Limitação da Compensação de Créditos Decorrentes de Decisões Judiciais: Para resguardar a arrecadação federal ante a possibilidade de utilização de créditos bilionários para a compensação de tributos, é alterado o art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996, e incluído o art. 74-A, para que seja implementado um limite mensal à compensação de débitos utilizando créditos oriundos de ações judiciais, fracionando sua utilização no tempo. A medida não impacta a utilização de créditos de menor valor, ou seja, não se aplica às compensações em que o crédito é inferior a R$ 10 milhões (dez milhões de reais). A partir desse patamar, por meio de Portaria do Ministro de Estado da Fazenda, o valor poderá ser escalonado para utilização ao longo do tempo.

Não obstante á cristalina necessidade de arrecadação do Governo Federal, é necessário observar que as medidas consignadas da MP 1.202/23, podem vir a ser questionadas judicialmente, haja vista que podem ser suscitadas dúvidas quanto aos seguintes aspectos:

  1. Dúvidas quanto aos Pressupostos de Relevância e Urgência da Medida Provisória

Ao analisar o texto apresentado pelo Ministro da Fazenda, observamos que não há qualquer referência direta à suposta urgência da medida. Há apenas um arrazoado sobre a relevância e urgência quanto a desoneração parcial da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento, nos seguintes termos: “A relevância da medida está demonstrada pelo seu impacto fiscal, que pode comprometer o alcance da meta fiscal estabelecia no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024, encaminhado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional. A urgência da medida está relacionada à necessária recomposição da base tributável a partir de 2024. Em relação à desoneração parcial da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento, a relevância e a urgência da medida decorrem da necessidade de dar tratamento tributário adequado a determinados setores cujo crescimento e formalização das relações de trabalho se pretendia estimular por meio da desoneração da folha.”

               Nota-se que é possível suscitar dúvida quanto a não observância dos pressupostos de relevância e urgência para edição da Medida Provisória, pois as expressões “recomposição da base tributável” ou “necessidade de tratamento tributário adequado a determinados setores”, sejam considerados justificativas fundamentadas para cumprir os pressupostos autorizadores da edição de medidas provisórias.

               Aqui vale destacar que o STF, na ADI 2.213, sedimentou que é possível questionar judicialmente o atendimento ou não dos pressupostos de relevância e urgência na edição de Medidas Provisórias que versem sobre matéria tributária. In verbis:

“A edição de medidas provisórias, pelo Presidente da República, para legitimar-se juridicamente, depende, dentre outros requisitos, da estrita observância dos pressupostos constitucionais da urgência e da relevância (CF, art. 62, caput). Os pressupostos da urgência e da relevância, embora conceitos jurídicos relativamente indeterminados e fluidos, mesmo expondo-se, inicialmente, à avaliação discricionária do Presidente da República, estão sujeitos, ainda que excepcionalmente, ao controle do Poder Judiciário, porque compõem a própria estrutura constitucional que disciplina as medidas provisórias, qualificando-se como requisitos legitimadores e juridicamente condicionantes do exercício, pelo chefe do Poder Executivo, da competência normativa primária que lhe foi outorgada, extraordinariamente, pela Constituição da República. (…) A possibilidade de controle jurisdicional, mesmo sendo excepcional, apoia-se na necessidade de impedir que o Presidente da República, ao editar medidas provisórias, incida em excesso de poder ou em situação de manifesto abuso institucional, pois o sistema de limitação de poderes não permite que práticas governamentais abusivas venham a prevalecer sobre os postulados constitucionais que informam a concepção democrática de Poder e de Estado, especialmente naquelas hipóteses em que se registrar o exercício anômalo e arbitrário das funções estatais.” (ADI 2.213 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 4-4-2002, P, DJ de 23-4-2004.)

  • Dúvidas quanto a constitucionalidade da Revogação de Benefício Fiscal – Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE

Inicialmente, é importante esclarecer que o artigo 4º da Lei nº 14.148/2021 instituiu benefício fiscal de redução de alíquotas a zero pelo prazo certo de 60 meses, desde que cumpridas determinadas condições previstas em ato do Ministério da Economia (que foi a Portaria nº 7.163/2021). Tal benefício, equivalente a uma isenção condicionada e com prazo certo, não pode ser revogado ao livre arbítrio da administração pública, como feito pela Medida Provisória 1.202/23, sob pena de ofensa ao artigo 178 do CTN.

               Aqui vale lembrar que Súmula 544 do STF: “Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas.”

               É possível antever uma insegurança jurídica do setor beneficiado pelo PERSE, desde a edição da Medida Provisória, haja vista o entendimento do STF já sedimentado nas ADIs 5.709, 5.716, 5.717 e 5.727, no sentido de que: “Medida provisória não revoga lei anterior, mas apenas suspende seus efeitos no ordenamento jurídico, em face do seu caráter transitório e precário. Assim, aprovada a medida provisória pela Câmara e pelo Senado, surge nova lei, a qual terá o efeito de revogar lei antecedente. Todavia, caso a medida provisória seja rejeitada (expressa ou tacitamente), a lei primeira vigente no ordenamento, e que estava suspensa, volta a ter eficácia.”

               Nesse sentido, a MP 1.202/23, ao extinguir as isenções tributárias concedidas no PERSE, pode vir a ser questionada judicialmente, pois há aparente conflito com os princípios constitucionais tributários basilares da capacidade contributiva (Art. 145, § 1º da CF), da legalidade (Art. 150, I), da isonomia (Art. 150, II), da irretroatividade (Art. 150, III, a), anterioridade (Art. 150, III, b), e da vedação de confisco (Art. 150, IV).

               A MP 1.202/23 também pode vir a ser questionada diante dos princípios constitucionais tributários que acabaram de ser incluídos na Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023. Nesse sentido, a Medida Provisória ao extinguir o PERSE, pode caracterizar um possível descumprimento dos princípios constitucionais tributários da transparência, da justiça tributária e da cooperação, todos previsto no parágrafo 3º do Art. 146 da CF.

  • Dúvidas quanto a constitucionalidade da Revogação da Desoneração parcial da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento

A MP 1.202/23 revoga a CPRB e, por isso, as empresas abarcadas pela opção devem voltar a contribuir sobre a folha de pagamento à alíquota de 20% (vinte por cento) de que tratam os incisos I e III do caput do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, a partir de 1º de abril de 2024, considerada a anterioridade nonagesimal. A MP 1.202/23 foi editada pelo Presidente da República, na sexta-feira (dia 29/12), justamente após a promulgação da Lei nº 14.784, publicada na quinta-feira (28/12). Vale destacar que a Lei 14.784/23 prorrogou para até o final de 2027 a desoneração da folha salarial para 17 setores da economia, após a promulgação pelo Congresso Nacional que derrubou o veto do Presidente da República.

É cristalino que a MP 1.202/23 visa reverter o texto aprovado pelo Congresso Nacional na Lei 14.784 que prorrogou para até o final de 2027 a desoneração da folha de salário para 17 setores da economia.

Sendo essa a interpretação, é possível que a iniciativa do Governo possa ser compreendida como uma atitude que pode vir a ferir o disposto no Art. 2º da CF que estabelece de forma indelével que: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

É possível ponderar que se sempre que o Poder Executivo ficar descontente com a deliberação efetivada pelo Congresso Nacional, seja pela promulgação de normas, seja pela derrubada de vetos impostos pelo Poder Legislativo, edite uma Medida Provisória para reverter a decisão do Poder Legislativa, estaremos diante de uma possível afronta à independência dos Poderes.

Ademais, tal iniciativa do Poder Executivo pode trazer uma insegurança jurídica para o cidadão, pois conforme prescreve o inciso XXXVI, do Art. 5º da CF: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”

Aqui é importante destacar que o STF, julgou uma situação similar, na ADI 7232. Na ADI 7232, por maioria, o Plenário do STF referendou a liminar concedida pela ministra Cármen Lúcia para suspender os efeitos da Medida Provisória 1.135/2022, que alterou leis que davam apoio financeiro ao setor cultural e de eventos. Em síntese, a fim de ajudar o setor cultural em razão da pandemia da covid-19, o Congresso Nacional editou a Lei 14.148/2021 (que criou o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), a Lei Aldir Blanc 2 (Lei 14.399/2022) e a Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar 195/2022). As normas foram vetadas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, e, após a derrubada dos vetos pelo Congresso, ele editou a MP.

Em seu voto pela manutenção da cautelar, a ministra Cármen Lúcia reiterou que a medida provisória esvaziou a eficácia das normas aprovadas pelo Legislativo. Enquanto as leis previam o repasse obrigatório de valores da União aos estados e municípios para o setor cultural, a MP apenas autoriza o governo federal a destinar os recursos, desde que respeitadas as disponibilidades orçamentárias e financeiras de cada exercício. Além disso, protelou os prazos para o repasse.

A relatora observou ainda que a MP não atendeu aos requisitos de urgência e de relevância do tema. Segundo ela, as leis foram resultado de um longo processo legislativo, conduzido por quase um ano.

Outro ponto assinalado pela ministra Cármen Lúcia foi o desvio de finalidade na edição da MP: “O que se tem é um quadro no qual o Presidente da República não aceita o vetor constitucional nem a atuação do Poder Legislativo e busca impor a sua escolha contra o que foi ditado pelo Parlamento, que é, no sistema jurídico vigente, quem dá a última palavra em processo legislativo.”

  • Dúvidas quanto a constitucionalidade da Revogação da Alíquota Reduzida da Contribuição Previdenciária Aplicável a Determinados Municípios

A MP 1.202/23 revoga o § 17 do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, incluído pelo art. 4º da Lei nº 14.784, de 27 de dezembro de 2023, que institui redução de alíquota da contribuição previdenciária patronal imputada a determinados municípios. A revogação terá efeitos a partir de 1º de abril de 2024, considerada a anterioridade nonagesimal. Vale destacar que a redução da alíquota prevista na Lei 14.784/23, reduziu a alíquota da contribuição de 20% para 8% para todos os municípios do Brasil.

Aqui valem todos os comentários e fundamentos já aduzidos quanto a reoneração da folha de pagamento. Assim, evidentemente essa medida poderá vir a ser questionada pelos municípios, haja vista a aparente ofensa aos Arts. 2º e 5º, XXXXVI da CF, bem como o entendimento do STF no expresso no julgamento da ADI 7232.

  • Dúvidas quanto a constitucionalidade da Limitação da Compensação de Créditos Decorrentes de Decisões Judiciais

Como o objetivo claro de resguardar a arrecadação federal ante a possibilidade de utilização de créditos bilionários para a compensação de tributos cobrados indevidamente do contribuinte, a MP 1.202/23 altera o art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996, e inclui o art. 74-A, para que seja implementado um limite mensal à compensação de débitos utilizando créditos oriundos de ações judiciais, fracionando sua utilização no tempo, em no mínimo 5 anos.

A medida não impacta a utilização de créditos de menor valor, ou seja, não se aplica às compensações em que o crédito é inferior a R$ 10 milhões (dez milhões de reais). A partir desse patamar, por meio de Portaria do Ministro de Estado da Fazenda, o valor poderá ser escalonado para utilização ao longo do tempo, desde que não seja inferior a 5 anos.

               Em síntese, a MP 1.202/23 criou uma trava de compensação no patamar máximo de 20% ao mês.

Assim, os contribuintes que já foram vitoriosos em processos judiciais e obtiveram o direito de compensação de créditos tributários cobrados indevidamente, podem ser impedidos de compensarem seus créditos em 100%, pois agora, a MP 1202/23, determina que o contribuinte só poderá compensar até o limite de 20% por mês.

Ao observamos os efeitos práticos dessa limitação de compensação, nos parece evidente que o contribuinte que já obteve o direito a compensação não pode ver o seu direito adquirido limitado pela nova legislação, sob pena de ofensa ao princípio da segurança jurídica, previsto no Art. 5º, XXXVI (“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”) e no Art. 150, III, a (é vedado …. “Cobrar tributos: em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”) da CF.  

Ademais, o STJ editou a Súmula 461 – “O contribuinte pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por sentença declaratória transitada em julgado.”

Desse modo, é possível compreender que o novo limitador só poderá ser aplicado em casos ainda não julgados.

Mesmo para os contribuintes que ainda não possuem decisões judiciais, é possível interpretar que esse novo limite de 20% mensal para compensação é uma forma de confisco, pois o estado está limitando um direito do contribuinte que pagou tributos indevidamente ou a maior, mas não poderá se ressarcir integralmente dos valores arrecadados indevidamente pelo Estado.

Sendo assim, essa limitação pode ser interpretada como uma ofensa aos princípios constitucionais tributários basilares da capacidade contributiva (Art. 145, § 1º da CF), da legalidade (Art. 150, I), da isonomia (Art. 150, II), da irretroatividade (Art. 150, III, a), anterioridade (Art. 150, III, b), e da vedação de confisco (Art. 150, IV).

Medida Provisória ao impor esse limite de compensação de 20% por mês, ainda pode ser compreendida no sentido de ferir os princípios constitucionais tributários da transparência, da justiça tributária e da cooperação, todos previsto no parágrafo 3º do Art. 146 da CF.

  • Síntese Conclusiva

Diante de todas as dúvidas observadas quanto a constitucionalidade da MP 1.202/23, é possível antever eventuais questionamentos no Poder Legislativo e Judiciário.

               No Poder Legislativo, é possível vislumbrar duas possibilidades. A primeira delas seria a devolução da MP 1.202/23, decisão que cabe ao presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, nos termos do disposto no parágrafo 5º do Art. 62 da CF. A outra opção no Poder Legislativo, será pautar, com urgência, a apreciação da MP pelo Congresso Nacional e, possivelmente, derrubá-la por meio de deliberação majoritária.

               No Poder Judiciário, as entidades legitimadas podem ajuizar Ações Diretas de Inconstitucionalidade com o objetivo de obter decisão liminar suspensiva dos efeitos da MP. Também será possível que os contribuintes atingidos pelas normas da MP ajuízem ações individuais ou coletivas na primeira instância, a fim de afastarem a incidência da MP, por meio de decisões liminares.

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