Lei 14.811/24 criminaliza o bullying e o cyberbullying, altera o Código Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Crimes Hediondos
Em uma iniciativa sem precedentes para proteger nossas crianças e adolescentes, a Lei 14.811/24 criminaliza o bullying e o cyberbullying no Brasil. Esta lei revolucionária, sancionada em 12 de janeiro de 2024 e publicada em 15 de janeiro de 2024, não apenas altera o Código Penal, mas também institui medidas nacionais de prevenção e combate à violência praticada contra crianças e adolescentes, principalmente, se ocorrer em estabelecimentos educacionais ou similares, públicos e privados e previu a Política Nacional de Prevenção e prevê o combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente.
Com a implementação da Lei 14.811/24, o Brasil está dando um passo significativo para criar um ambiente seguro e acolhedor para nossas crianças e adolescentes.
Dentre outras previsões importantes, a nova lei modificou o Código Penal, a Lei de crimes hediondos e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente será elaborada no âmbito de conferência nacional e ser organizada e executada pelo órgão federal competente e deverá observar os seguintes objetivos:
I – aprimorar a gestão das ações de prevenção e de combate ao abuso e à exploração sexual da criança e do adolescente
II – contribuir para fortalecer as redes de proteção e de combate ao abuso e à exploração sexual da criança e do adolescente;
III – promover a produção de conhecimento, a pesquisa e a avaliação dos resultados das políticas de prevenção e de combate ao abuso e à exploração sexual da criança e do adolescente;
IV – garantir o atendimento especializado, e em rede, da criança e do adolescente em situação de exploração sexual, bem como de suas famílias;
V – estabelecer espaços democráticos para participação e controle social, priorizando os conselhos de direitos da criança e do adolescente.
Para entender melhor sobre a Política Nacional de Prevenção ao Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Criança e Adolescente a que se refere a Lei 14.811/2024, vale fazer uma leitura atenta dos seus Arts. 1º ao 4º.
Uma super novidade da Lei 14.811/2024 foi o acréscimo do Art. 146-A ao Código Penal, criminalizando a prática de bullying e cyberbullying, que ficam assim definidos:
- Bullying – Intimidação Sistemática – “Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais.”
- Cyberbullying – Intimidação Sistemática Virtual – “Se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real.”
Pela leitura do novo dispositivo legal, percebe-se que no crime de bullying e cyberbullying a conduta de intimidação exercitada contra a vítima (que pode ser uma violência física ou psicológica) deve ser sistemática, ou seja, não pode ser uma conduta eventual (apenas um ato), podendo, ainda, ser praticada, individualmente ou em grupo.
Para a prática do crime de bullying e cyberbullying também não é necessária uma motivação evidente a prática da conduta delituosa, podendo o ilícito se dar por atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais.
Segundo o novo Art. 167-A do Código Penal, a pena prevista para o crime de bullying não é privativa de liberdade, mas pena de multa, se não constituir crime mais grave. Isso significa que o crime de bullying foi tipificado como um crime de menor potencial ofensivo, devendo ser processado e julgado no Juizado Especial Criminal.
Já se o crime for praticado pela internet (rede social, aplicativos, jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente virtual, ou transmitida em tempo real), será tipificado como cyberbullying. Nesse caso, a pena passa a ser de reclusão de 2 a 4 anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave. O processo e julgamento do crime de cyberbullying correrá em uma Vara Penal e não no Juizado Especial Criminal.
Chamo atenção para o fato de que no crime de bullying e cyberbullying não importa da idade da vítima. Logo, criança, adolescentes e adultos podem ser vítimas de tais crimes.
Com relação a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), a Lei 14.811/2024 taxou como crime hediondo, que não comportam pagamento de fiança, nem do recebimento de anistia, graça ou indulto, sendo a pena cumprida em regime fechado:
a) condutas previstas como crime de induzimento, instigação ou participação em suicídio (Art. 122 CP) ou automutilação realizadas por meio de rede de computadores, de rede social ou transmitidos em tempo real;
b) sequestro e cárcere privado cometido contra menor de 18 anos;
c) tráfico de pessoas cometido contra criança e adolescente;
d) Os crimes previstos no §1º do Art. 240 (Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente: §1º Incorre nas mesmas penas quem: I – agencia, facilita, recruta, coage ou de qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena; II – exibe, transmite, auxilia ou facilita a exibição ou transmissão, em tempo real, pela internet, por aplicativos, por meio de dispositivo informático ou qualquer meio ou ambiente digital, de cena de sexo explícito ou pornográfica com a participação de criança ou adolescente. e no Art. 241-B (Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente.), ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Ressalto que Lei 14.811/2024 trouxe mais uma majorante de pena para o crime de homicídio (Art. 121, III do Código Penal), se o for praticado contra menos de 14 anos, em instituição de educação básica pública ou privada (Art. 121, III, do Código Penal).
A nova lei também inclui na Lei de Crimes Hediondos o agenciamento, o recrutamento, a internação ou coação de menores para registros ou gravações pornográficas; as exibições ou transmissão digital de pornografia infantil; compra, a posse ou armazenamento de pornografia infantil; o tráfico de pessoas menores; e induzimento, instigação ao auxílio ao suicídio ou à automutilação de qualquer pessoa por meios virtuais.
O Estatuto da Criança e do Adolescente também foi modificado pela Lei 14.811/2024. A partir de agora os estabelecimentos educacionais e similares, públicos e privados, deverão exigir e manter atualizados as certidões de antecedentes criminais de todos os colaboradores, a cada seis meses (acrescido o Art. 59-A na Lei 8.069/90).
A Lei 14.8011/24 acresceu o Art. 244 – C ao Estatuto da Criança e do Adolescente, de forma que o pai, mãe e responsável que deixar, de forma dolosa, de comunicar à autoridade pública o desaparecimento de criança ou adolescente, responderá com pena de reclusão.
A nova legislação é muito bem-vinda em muitos aspectos, principalmente, para o enfrentamento do bullying, inclusive o praticado pela internet.
Torço para que a Lei 14.811/2024 seja protetiva para toda sociedade, pois a partir de agora, juridicamente, a prática do bullying e o cyberbullying não podem ser entendidos como “uma brincadeira de criança” ou “uma fase que passa”, mas, sim, um crime.
Não podemos negar que a atitude do governo em sancionar o bullying e o cyberbullying ajudará os nossos jovens a não desenvolveram problemas psicológicos irreversíveis, que podem se tornar um gatilho para a prática do suicídio.
Ressalto que a implementação de todas as públicas depende as participação e cobrança de toda a sociedade e não só de escolas, pais, professores e pessoas que convivem com crianças e adolescentes. Qualquer cidadão tem a missão de combater práticas de violência que sejam nefastas e cruéis contra nossos jovens.
Vamos acompanhar como será implementada a Lei 14.811/2024 na prática e como a jurisprudência será produzida a fim de orientar a melhor aplicação da novidade legislativa.
Sobre a autora: Ana Maria Cavalier Simonato é advogada há 25 anos, professora universitária, Mestra em Direito, Pós-graduada em Direito Eletrônico, Pós-graduada em Varejo e Serviços, Pós-graduada em Direito e Processo Civil, Pós-Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, advogada sócia do Simonato & Pessoa Advogados e Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Tributário e Empresarial – IBEDET.